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Cultura de povo indígena da Amazônia vira tema de vídeo game

Flávia Villela – Repórter da Agência Brasil

Game indígena
Em lugar de armas, monstros e inimigos armados, o novo jogo terá índios, flechas e bichos e elementos visíveis da Floresta Amazônica Divulgação/Talita Hayata

A partir de abril, fãs de vídeo game poderão conhecer um jogo bem diferente dos convencionais e genuinamente brasileiro. Em vez de armas de fogo, serão índios e flechas. No lugar dos monstros e inimigos armados, jiboias, antas, pacas e outros elementos visíveis e invisíveis da Floresta Amazônica.

O projeto foi elaborado por antropólogos, programadores visuais e integrantes do povo Kaxinawá – ou huni kuin, como eles se autodenominam, e que significa “pessoa verdadeira”. O som de tiros e músicas eletrônicas, comuns na maioria dos jogos, é substituído pelos da mata e dos cantos dos povos da floresta.

Os heróis do game Huni Kuin: os Caminhos da Jiboia tem como protagonistas dois irmãos gêmeos: um caçador e uma artesã. Concebidos pela jiboia Yube em sonhos, eles herdam poderes especiais. Se conseguirem vencer todos os obstáculos, o jovem se tornará pajé e a moça, mestra dos desenhos. O jogador ainda tem a oportunidade de ouvir o idioma hatxã kuin.

Games indígenas/Índios cineastas
O roteiro e as histórias dos games foram divididos com os indígenas Divulgação/Nadja Woczikosky Marin

Antropólogo da Universidade de São Paulo (USP) e idealizador do projeto, Guilherme Meneses esclareceu que o conhecimento dos rituais ancestrais, dos animais, das plantas e dos espíritos é fundamental para o sucesso no jogo. A equipe do projeto conta com programador, artista digital, game designer e antropólogos, mas participaram da produção cerca de 45 Kaxinawás de algumas das 32 aldeias existentes no Acre.

“Decidimos com eles [indígenas] o roteiro e as histórias. Eles desenharam os protótipos, gravaram as músicas e os efeitos sonoros. Os pajés narraram as histórias”, informou Meneses, que viu no projeto uma ferramenta contemporânea para explorar e divulgar a cultura dos Kaxinawá.

“Minha ideia original era que gamers e outros interessados tivessem uma visão de como é uma aldeia, o mundo indígena, os mitos e que isso ajudasse a derrubar certos preconceitos que até hoje existem por falta de informação da população sobre os indígenas”, acrescentou o antropólogo.

O jogo tem cinco fases, cada uma abordando um mito tradicional da etnia. Em cada fase, o jogador ganha conhecimentos guiados pela história do pajé. Nesse processo, o usuário mergulha nos rituais e nos grafismos dos Kaxinawá. Além do português e do hatxã kuin, há legendas disponíveis em inglês e espanhol. “A jiboia é um animal encantado dentro do universo Kaxinawá e dentro da primeira história é o personagem principal”, destacou Meneses.

Foram seis meses de pesquisa e quase três anos para concluir o jogo. A experiência na aldeia São Joaquim/Centro de Memórias durou cerca de quatro meses intervalados, período em que foram feitas oficinas de audiovisual e produção de conteúdo. Segundo o antropólogo, o contato com os indígenas evidenciou o potencial do game também como elemento de fortalecimento interno do povo, conta.

“A própria questão da tecnologia é uma transformação na aldeia. É uma demanda deles entrar em contato com nossas cidades, de conseguir trabalho, projetos e visibilidade dentro do cenário nacional”, informou Guilherme Meneses, destacando o grande fascínio que a tecnologia exerce sobre muitos indígenas, sobretudo os mais jovens.

De acordo com um dos coordenadores do trabalho na aldeia Isaka Kaxinawá, o processo de produção do vídeo e a experiência com o jogo aproximou a juventude dos mais velhos e da cultura Kaxinawá. “Fortaleceu a sabedoria dos nossos velhos, porque o velho sabe muito da tradição e temos de aproveitá-los. Eles nos ajudam a pensar nosso futuro, o do nosso filho e do nosso neto.”

Games indígenas/Índios cineastas
De acordo com os coordenadores do projeto, os índios querem contato com as cidades Divulgação/Nadja Woczikosky Marin

Conforme o coordenador, a experiência com a produção do jogo semeou novas ideias e projetos. “Estamos agora produzindo um documentário sobre o ritual txirin, que é a cerimônia do Gavião Real.”

O patrocínio dos parceiros institucionais, como Itaú Cultural e Universidade de São Paulo (USP), serviu para ajudar as aldeias participantes com instalação de painéis solares e cursos de áudio visual que continuam em curso. “Não teria sentido eles ficarem fora dos recursos, uma vez que o vídeo é sobre eles e feito também por eles. É reivindicação dos indígenas ter acesso à energia e à internet nas aldeias. Hoje muito poucas aldeias têm energia e internet”, disse Meneses.

O Caminho da Jiboia será lançado primeiro nas comunidades indígenas que participaram do projeto, na primeira semana de abril. O lançamento mundial ocorrerá logo depois pela internet, quando poderá ser baixado gratuitamente.

Meneses e a equipe sonham com a adaptação do jogo para o celular no futuro. “Estamos sem recursos, mas estamos buscando com os parceiros acadêmicos”, adiantou. Ele não descartou a ferramenta do Crowdfunding, como recurso.

Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, o país tem mais de 7,5 mil integrantes dos Kaxinawá. Destes, mais de 3 mil estão no Acre.

Edição: Armando Cardoso